sexta-feira, 3 de abril de 2015

dica:

é atípica
utópica
dialética

é poética
política
artística

é dramática
bombástica
apocalíptica

é lunática
lisérgica
patológica


é épica.



domingo, 22 de março de 2015

o barato é louco, o processo é lento, o bagulho é sério e precisamos todos rejuvenescer

Lira Alli, São Paulo, 18 de março de 2015 

O BARATO É LOUCO | 1 

Conjuntura é uma palavra esquisita para dizer “o que está acontecendo e como funciona a realidade”. Uma análise de conjuntura tem como objetivo ser um texto que explica – a partir de um ponto de vista e de um tipo de análise – o que está acontecendo em determinado local, com determinado recorte. 

A realidade é louca. É complexa. E tem muita coisa rolando nesses últimos tempos que se a gente não para um pouco pra analisar, corremos o risco de sair reproduzindo estereótipos. Esse texto pretende contribuir pra aprofundar a construção de um entendimento coletivo da conjuntura brasileira. Para compreendermos quais os projetos que estão em disputa na sociedade e a relação de forças entre eles. 

Existem dois pressupostos importantes para fazermos nossa análise: 1. Os processos são construídos historicamente – o que significa que as coisas (as frações de classe, os partidos, os movimentos, as ideologias, a política, o sistema político... – é importante lembrar que essas palavras todas são conceitos científicos, não são preconceito nem ódio) não “são” uma coisa sempre igual, mas “estão” de determinada forma, que pode se alterar; 2. Política não é só o que acontece no governo: pra entender o que tá rolando no nosso país precisamos entender o que acontece nas movimentações de toda a sociedade, não apenas no parlamento. Tem gente que confunde isso e acaba não conseguindo entender tudo que acontece, porque acha que a vida se resume a A FAVOR DO GOVERNO X CONTRA O GOVERNO. A vida do Brasil é muito mais que um governo. É preciso entender o que estão fazendo e planejando as grandes empresas (de dentro e fora do Brasil), os bancos, as ONGs, os pequenos empreendedores, os movimentos sociais, os sindicatos, a classe trabalhadora, as mulheres, o governo, os partidos... 

Dito isso, podemos afirmar: vivemos em um momento de profundas mudanças em nosso país. “Tudo que era sólido e estável se desmancha no ar”. Do jeito que estão, as coisas não permanecerão por muito tempo. Já faz um tempo que estamos vendo isso acontecer: nas manifestações de junho de 2013 e nas disputas eleitorais de 2014 já era foi possível perceber um esgotamento político da frente neodesenvolvimentista (se tiver questões para entender esse conceito, leia alguns textos antigos do levante ou procure artigos de um sabido chamado Armando Boito), e um acirramento das contradições por todos os cantos.

O que acontece é que vivemos um momento de instabilidade, de crise econômica mundial – não existe ninguém que conheça bem o assunto que negue isso. Isso não está acontecendo apenas no Brasil! Por todo mundo disputas por poder rolam, e na América Latina muitos governos populares estão sendo ameaçados.

Nos últimos anos o crescimento econômico acompanhado pelas políticas de distribuição de renda em nosso país possibilitou que o povo tivesse melhorias em sua qualidade de vida, ao mesmo tempo que nestes anos rolaram grandes lucros para diversos setores empresariais. Essa situação não é mais possível. Tudo nos força a tomar partido. Em cada acontecimento. Na nomeação de ministros, na falta d’água no sudeste, nos mais médicos, na defesa dos indígenas, a cada chacina na quebrada na luta contra o genocídio, nas questões sobre o petróleo, nos problemas com as bolsas do FIES, na cultura de estupro e de racismo que se perpetua nas “melhores universidades do Brasil”. É muita coisa acontecendo e o caminho pelo qual o nosso país vai seguir nas próximas décadas ainda é algo em aberto.

O PROCESSO É LENTO | 2

Queremos construir um futuro diferente: um país mais justo, mais feliz, com mais democracia e diversidade. Mas a gente não se ilude com resposta pronta! Ainda mais quando a globo e a folha reforçam o discurso... Impeachment não resolve os problemas que temos, só piora: instabilidade política no país (junto com a econômica mundial) só vai foder o povo. Os ricos não vão ter nenhum problema de mudar de país quando a coisa ficar difícil aqui. Os trabalhadores, em especial as mulheres, negras e negros e a juventude é quem mais vai se foder com a crise. Os ricos tem herança, tem propriedade, tem luxo.

E mais: para construir um novo futuro precisamos conhecer o passado e os processos que nos trouxeram até onde estamos. Conhecer nossa história. Aprender a dialogar com gente diferente da gente.

Estamos vivendo o fim de um ciclo da esquerda brasileira. O PT foi construído no início dos anos 80 por mulheres e homens comprometidos com a construção da democracia brasileira. Foi uma grande articulação de gente que vinha de muitas organizações e histórias diferentes que possibilitou, com muita luta, sangue e suor, a construção da democracia na qual vivemos. Essa democracia, no entanto, é muito limitada e faz com que a política funcione numa lógica que não faz muito sentido.

Se por um lado nosso sistema político é muito limitado em suas ferramentas de participação – os fóruns, conselhos e afins em sua maior parte são de caráter consultivo e a população não tem vias para participar das decisões políticas do nosso país; por outro lado aprisionou TODAS as organizações que entraram na lógica da disputa institucional (partidos, ONGs, etc): elas se engravataram, se burocratizaram, se engabinetaram e se afastaram da vida e da luta cotidiana do povo.

Isso não significa que todos os políticos são iguais, mas que a democracia brasileira foi deixando tudo que é política institucional muito parecido com o decorrer do tempo. O financiamento empresarial de campanha é regra, e a corrupção faz parte da forma de funcionamento do sistema.

frente neodesenvolvimentista não consegue mais agradar a todos os seus participantes, e a frente neoliberal vem construindo uma ofensiva restauradora apoiada nos piores sentimentos conservadores, de ódio, violência e antipopulares. 

Construir uma alternativa a essas formas de fazer política é extremamente necessário, e cada vez mais urgente. A ação coletiva é que tem potência para influenciar os rumos que o país irá tomar, e é por isso que optamos pela construção do Levante Popular da Juventude. Mas essa construção deve ser feita de maneira enraizada, com muito trabalho de base, multiplicando nossas células pelas periferias, bairros, escolas e universidades de todo país.

Esse é o momento de ter firmeza e ousadia na ação: tomar iniciativa, articular (construindo sempre com muita unidade!), organizar a juventude pra fazer luta. E muito importante: temos que garantir a formação política. É a formação nosso leme que impede que sigamos por caminhos tortos. A política é algo complexo e quando não entendemos quais são as forças que atuam na realidade corremos o risco de mirar o peixe e acertar o gato.

O BAGULHO É SÉRIO | 3

Se as perspectivas de futuro não estão definidas, o que precisamos agora é nos organizar. Tomar as ruas com ousadia e alegria, construindo a política “nóis por nóis”: pelas ruas, pelo povo, pela juventude, pelas mulheres, pelas lgbts, pelas pretas e pelos pretos. Ocupar o espaço público que é nosso por direito. Fazer a disputa de valores e de projetos para a sociedade sem vacilar: nosso projeto é o projeto popular para o Brasil.

Por isso é fundamental tratar das grandes lutas que estamos disputando hoje em nosso país:

1.      A PETROBRÁS É DO POVO

Enfrentar a corrupção é fundamental e é coisa séria. Mas a gente sabe que do jeito que tá não sobra ninguém! A forma como funciona o sistema político faz com que pra alguém ser eleito precise de muita grana. Muita grana só com caixa 2, corrupção, etc. Nas grandes empresas, nos partidos, no governo... sempre tem gente corrupta, canalha, sacana. Porque a forma de funcionar a política tá errada. (e isso tá mais aprofundado no ponto 7). A questão é que privatizar não é a solução! A gente sabe o que rola quando privatiza: o povo recebe quase nada (a Vale do Rio Doce foi vendida por 3,3 bilhões e valia mais de 92 bi. Em 2008 seu valor de mercado foi estimado em 196 bilhões de dólares ==== ROUBO AO POVO!), o serviço piora e fica caro (alô você! A telefonia brasileira é uma das piores e mais caras do mundo!!) e um monte de gringo sai ganhando nas nossas costas.

2.       EM DEFESA DA EDUCAÇÃO: A JUVENTUDE NÃO VAI PAGAR PELA CRISE!

Uma das principais formas de garantirmos um país com um futuro melhor é dando cada vez mais e melhor formação para nossa juventude e para nossas crianças. A defesa da Petrobrás é muito importante porque o fundo social do pré-sal vai garantir recurso para melhorar muito a educação para as próximas gerações. Mas não é só isso: o ajuste fiscal de Levy (ministro da fazenda) cortou 7 bi da educação, o que tem afetado desde o começo do ano as Universidades Federais. Além disso, as contradições das políticas no ensino privado se acirram: por um lado as grandes empresas educacionais estão praticando aumentos abusivos de mensalidades (para extorquir mais os estudantes e também o governo, que transfere recursos a partir de programas como o FIES). Por outro lado, o governo aumentou as regras para a aquisição do FIES e destruiu o sonho de muita gente de fazer um curso superior. Mas os estudantes estão indo para a luta e os aumentos abusivos estão sendo barrados em todo país, e conquistando mudanças na aplicação das políticas do FIES.

Além disso, professores estão em luta por todo país! No Paraná (mesmo sem a Globo mostrar!) passaram por uma greve histórica! Encheram estádios pra fazer assembleias, enfrentaram a violência policial de peito aberto e estão pressionando o governo do estado (que é do PSDB, coincidência a globo não divulgar?). Em São Paulo os professores da rede estadual acabaram de iniciar sua greve, por melhores condições de trabalho e salário. Não podemos jogar a fatura da crise nas futuras gerações!

3.       JUVENTUDE É PRA VIVER

Não podemos mais aceitar que nossa juventude seja destruída pela violência cotidiana de responsabilidade – direta ou indireta – do estado brasileiro. A Polícia Militar MATA e TORTURA mais hoje do que na época da ditadura. Não existe enfrentamento contra o genocídio que assassina a juventude negra. O Brasil é o país que mais assassina homossexuais do mundo. A violência contra a mulher é generalizada, da violência no parto à ausência de creches, passando pela violência doméstica e pela inexistência de estruturas para que as jovens mulheres tenham seus direitos respeitados, como provou a “CPI do Esturpo” que apurou crimes cometidos com orgulho pelas “melhores universidades do país”.

Nós não nascemos, crescemos e chegamos até aqui para morrer, nem pra ver nossos amigos morrendo, sendo violados, violentados, presos, etc. Juventude é pra viver, pra ser feliz, pra fazer política e pra mudar o país. Mas pra isso não podemos mais aceitar a política que exclui, encarceira, violenta e mata o que é diferente.

4.       DEMOCRATIZE A COMUNICAÇÃO

A mídia brasileira se comporta como detentora da opinião pública e, para atender aos interesses das poucas famílias da elite que comandam essas redes, ignoram qualquer tipo de diversidade e estímulo à produção popular. Berços de preconceito, ódio e distorção da realidade, as grandes empresas de comunicação praticam um verdadeiro monopólio da informação.

Precisamos democratizar! Por uma mídia mais plural, mais colorida, mais diversa. Que possamos conhecer a realidade e a forma de falar e viver de todo o povo brasileiro – e não apenas da arcaica elite carioca e paulistana. Uma mídia que seja “nós por nós”.

A verdade é dura, a Rede Globo não só apoiou, como foi criada e é parceira da ditadura e do que há de mais conservador em nosso país. Fetichização do corpo e da vida das mulheres, racismo... a gente não se vê na Globo (nem em nenhuma dessas grandes mídias, propriedade de “grandes famílias” brasileiras). A gente não confia nesses playboys. Eles não falam em nosso nome.

5.       POR MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA

Nossa geração foi a primeira a crescer e viver na democracia brasileira depois da ditadura. Mas recebemos junto com a democracia um monte de entulho autoritário que permanece empacando nossas vidas até hoje. A polícia militar, a estrutura dos meios de comunicação, o conservadorismo e um sistema político pouco democrático são talvez as piores facetas do nosso processo inconcluso de transição democrática.

Para avançar e interromper o ciclo de impunidade e injustiça que reina em nosso país é necessário fazer justiça: por isso lutamos incansavelmente pela punição dos torturadores da ditadura. Nossa forma de honrar os que caíram na luta por democracia e justiça. De conseguir nos relacionar com uma geração já tão distante (é gente com a idade de nossos avós!). De reivindicar sua vida e memória. Porque a gente não teria nada do que tem hoje se não fossem eles.

6.       PELO DIREITO À CIDADE

Não foi por acaso que as manifestações em junho de 2013 explodiram com a pauta do transporte. Nas últimas décadas as grandes cidades do Brasil cresceram, e cresceram muito! Mas esse crescimento não foi acompanhado de uma política que fizesse das nossas cidades lugares bons para se viver. Parece que só dormimos em casa, trabalhamos no centro e estudamos em algum lugar. O resto é só passagem e falta tempo e espaço para uma vida mais coletiva, mais pública. A luta por um transporte público que atenda às necessidades do povo (e não apenas as necessidades dos patrões de ter o funcionário chegando na hora no trabalho), a luta por mais parques e mais praças, a luta pelo direito de fazer festa, os blocos de carnaval de rua espalhados pelos bairros, as ocupações urbanas... tudo isso são formas de dizer que a cidade deve servir para fazer o povo feliz, e não para oprimir e enlouquecer com seu trânsito, seu cinza e a busca do lucro acima de tudo.

7.       CONSTITUINTE JÁ!

Sabemos que para qualquer mudança acontecer no país é necessário a construção de políticas públicas e de definições que cabem aos poderes executivo, legislativo e judiciário. No entanto, o sistema político brasileiro é tão, mas tão atrasado, que o povo não consegue alcançar esses lugares. Menos de 10% do congresso brasileiro é constituído por mulheres ou negros. Se não existe espaço para nós na política o problema não é com a gente, mas com o sistema! Queremos mudar a política e sabemos que uma reforma política sem constituinte, ou seja, sem participação popular, vai ser só mais um ato de politicagem, pra parecer que mudou mas continuar tudo igual. Por isso nossa luta é pela constituinte!

PRECISAMOS TODOS REJUVENESCER | 4

No último final de semana vivemos um momento muito louco, em que sentimos a história acontecer na nossa frente. Duas manifestações tomaram conta do Brasil. Na sexta, dia 13 de março de 2015, saímos às ruas. Nós do Levante, saímos acreditando em tudo isso que tá escrito nessas longas páginas. Mas o ato não era nosso. Nós, inclusive, éramos pequenos se fosse olhar o todo daquele ato. Também: não somos sindicatos nem movimentos sociais com seus 35 anos de existência. Nós somos os jovens: temos menos estrutura, menos recurso, menos tempo organizando gente... Mas também temos mais criatividade e ousadia.

O ato do 13 foi construído com muita unidade, e unidade não é algo simples. Nossa unidade está nessa carta sintetizada em 4 grandes defesas: - dos Direitos da Classe Trabalhadora; - da Petrobrás; - da Democracia; - da Reforma Política. A CUT, o MST, o MAB, a CMP, a CTB... são MUITO maiores que o Levante e o que se via de cima era uma maré vermelha, que andou da estação brigadeiro da paulista até a praça da república debaixo de muita, muita chuva.

Nos unimos sem nenhuma vergonha com aquela maré vermelha, mesmo sabendo que somos diferentes da esquerda que nasceu nos anos 80. Vermelho é lindo. Remete à um sonho de uma sociedade igualitária. À cor do sangue derramado que é luta e é vida. À cor da paixão, intenso amor. Somos filhos de uma tradição que construiu a democracia em nosso país. Não temos problema em sair lado a lado de um monte de petista na rua. Mas somos diferentes. Não usamos balões gigantes, nem caminhão de som. A bandeira do nosso movimento é preta, mas não temos nenhum problema em defender nosso país – amamos o Brasil, e defendemos um país soberano e popular. Mas a gente vai pra rua de um jeito diferente, cantando samba, marchinhas, funk e rap (as músicas que estão nesse material que distribuímos durante o ato). Não vi o ato inteiro, porque fiquei no bloco do Levante – e todo mundo via que nosso bloco era diferente dos outros. Agora, coisas que eu tenho certeza sobre o ato do 13: não teve discurso de ódio. Não teve ameaça de morte. Não teve apoio dos grandes meios de comunicação. A PM não gosta da gente e mentiu de maneira deslavada sobre o número de participantes. Tinha muito preto, muito povo, muita mulher. Tinha LGBT levantando a bandeira sem nenhum problema. Tinha respeito. Tinha amor.

O “ato” do dia 15 foi muito diferente, e já tem por aí circulando nas redes milhares de análises e não quero me alongar nisso. Mas acho bom ressaltar: era uma massa verde e amarela, gente branca. Pedindo impeachment, a saída da Dilma, intervenção militar, mil coisas. O ato não andou, ficou parado na paulista, tipo o show da virada. As coisas mais assustadoras foram ver: 1. O peso que os grandes meios de comunicação jogaram para ajudar a mobilizar o ato, e a cobertura desproporcional que fizeram do ato (e aí impossível não mencionar o absurdo do G1 que publicou um álbum com as “mais gatas” do ato do dia 15 – se quiserem ler mais sobre aqui). 2. A ausência de unidade: eram mais de 10 carros de som diferentes, e a única coisa que havia em comum era ódio ao PT e à Dilma. Nenhuma carta unitária, nenhuma preocupação de articulação, nada muito propositivo. 3. O bandeirantismo de muita gente ali: massivamente brancos e endinheirados (quantas pessoas você conhece que ganham mais de 10 salários mínimos? Mais de 40% do ato do dia 15 ganhava mais do que isso segundo a pesquisa do Datafolha. 84 mil pessoas que ganham mais de 8 mil reais por mês estavam ali). Teve gente que levou a babá negra pra cuidar do filho durante o ato. E era um tal de falar em nome do povo, como se o povo não tivesse elegido a Dilma.

Mas nos dois atos – e ouso dizer que principalmente entre quem não foi pra ato nenhum – existe um sentimento comum: as instituições brasileiras estão envelhecidas. O sistema político com sua corrupção estrutural, os partidos políticos e seus fisiologismos, as entidades representativas tradicionais, o judiciário, a imprensa tradicional, a polícia, os clubes de futebol... Tudo que é instituição tem sido questionada – e é bom lembrar que as nossas instituições foram todas construídas num processo de redemocratização meio torto e incompleto até hoje.

A forma dos atos precisa rejuvenescer para dialogar com quem foi pras ruas em junho de 2013. A política brasileira precisa rejuvenescer para dialogar com o povo do país. Hoje as instituições se afastam do povo, se tornam incompreensíveis e inalcançáveis. Quem entende como se indica ministros ou juízes? Quem entendem o que eles fazem do alto de suas cadeiras? Por que são todos homens ricos velhos brancos? Por que não vemos gente como a gente nos lugares de poder? Por que não entendemos o poder?

É necessário politizar. O pensamento bandeirante das elites brasileiras adotou a ignorância como prática e sempre se utilizou do paternalismo para resolver as coisas “pelo” povo. A geração que construiu as instituições brasileiras nos anos 80 está envelhecendo e as novas gerações que chegam fazem as coisas de maneira diferente.

Nós não baixamos mais a cabeça. Pelo contrário. Levantamos nosso orgulho de ser povo. A autoestima do povo brasileiro aumentou: hoje filho de pedreiro pode ser doutor. Hoje jogador da seleção usa blackpower. As mulheres não ficam mais em casa, disputam o mercado de trabalho, o espaço público, as ruas. Queremos ser quem nós somos. Por isso precisamos todos rejuvenescer.


sábado, 21 de março de 2015

a vida ela não é fácil

a vida
ela não é fácil.

mas a gente enfrenta,
mesmo sem saber.
com nossas ferramentas,
com o choro, a fala e o escrever.

às vezes é desespero
outras esperança
às vezes bate, dói, machuca
outras vezes a gente é criança

a vida
ela não é fácil

mas é o que tem
e desistir não é opção
por isso me entrego
de corpo, alma e coração.

sábado, 17 de janeiro de 2015

contra o aumento das passagens e a violência policial: um relato do último ato e a necessidade de enfrentar o sistema!

o último ato contra o aumento das passagens deixou mais explícito ainda pra mim que ou enfrentamos o sistema como um todo ou não tem alternativa. não dá pra tirar as catracas da vida se só debatemos a questão do transporte. deixou também mais explícita a importância da organização coletiva e dos valores de solidariedade que construímos cotidianamente.
o ato começou com uma assembleia para definir seu trajeto. é resposta à necessidade de tornar os atos mais democráticos, mais horizontais, mais participativos. acho essa necessidade extremamente válida (porque eu hoje mal consigo suportar atos com homens brancos e velhos discursando seus discursos de ódio), mas tenho questões em relação à forma (e por vezes à determinados conteúdos) como o MPL dirige os atos e o processo.
uma das divergências foi apresentada durante a assembleia do trajeto. nós do levante propusemos um trajeto diferente do proposto pelo MPL. na proposta deles, o ato descia pela consolação e se dividia no anhangabaú para cercar a prefeitura. na nossa proposta, o ato descia a consolação, passava pela prefeitura e terminava na secretaria estadual de transportes, ali no centro.
a proposta que apresentamos foi vitoriosa e assim fomos com o ato. nossa opção foi ficar do meio para o fim do ato, com nossa batucada animando. não temos muita paciência para disputar a frente do ato, ficar numa guerra para fazer nossa bandeira ou nossa cara aparecer na foto. sem fetiches fomos fazer nossa parte: animar, politizar e construir um espaço de relações mais coletivas, mais companheiras, mais organizadas.
durante o trajeto (antes do ato ser implodido em frente à prefeitura) por três vezes a PM jogou algumas bombas em parte do trajeto. com nossa caixa de som conseguimos organizar nossa mulekada e seguir firmes, cantando, sem baixar a cabeça nem recuar. aprendendo que temos o direito de ocupar a rua. e que a PM pode até jogar gás, mas não vai nos separar.
a cada ataque da PM parecia que a gente tinha certeza que nossa luta fazia sentido. "ela é injusta, ela é racista, ela mata, ela é a polícia. é militar, gcm e civil. recebe ordem do estado pra matar com o fuzil". a cada gás e a cada PM violento a gente tinha mais garra. "não acabou. tem que acabar. eu quero o fim da polícia militar".
e a gente até tentou brincar. "não adianta mais. tô viciada na porra desse gás" a gente cantava pra tentar rir da tragédia. mas o fato é que na hora que o gás começava a ser gás demais (na recuada final em determinado momento me vi cercada por 6 bombas de gás) o efeito é assustador. suas vias aéreas se fecham e você não consegue respirar. o olho arde muito, e assusta. você não vê nada direito, tá tudo branco. e não ouve direito, porque o barulho daquelas merdas explodindo deixa seu ouvido com um "piiiiiii" eterno.
voltamos a pé para o qg do levante. pessoas que conhecemos no caminho nos acompanharam, se sentindo mais seguras com o coletivo. a nossa forma de organização, em células nos locais, permite que a gente saiba com muita rapidez que todos que foram para o ato estão bem. e ativar advogados, avisar a família e todas essas coisas importantes. a gente se cuida coletivamente. a gente se organiza. é como se todos fossem manos e manas. todos família. todos parceiros. todos aliados.
juntamos toda a galera no qg e fizemos uma avaliação do ato.
algumas conclusões:
não foi por acaso que a PM fez merda na frente da prefeitura. os cães de guarda do alckmin queriam proteger o patrão. as fotos da violência policial com a prefeitura ao fundo só fazem destruir a imagem do haddad... enquanto a do alckmin segue inabalada. alckmin é invisível e transparente. ele nunca aparece como responsável por nada. e olha: não tô tirando responsabilidade nenhuma do haddad pelo aumento... mas o transporte coletivo da prefeitura avançou mais nos 2 anos haddad do que nos últimos 10 anos de administração tucana. o metrô (que é o único meio de transporte que pode de fato tirar a cidade do caos) é uma vergonha. o metrô não cresce. a corrupção é assustadora. e o alckmin ileso. a água acabando e alckmin ileso. a pm mata três por dia e trata manifestante violentamente e alckmin ileso. e agora o alckmin acabou de AUMENTAR O PRÓPRIO SALÁRIO e ninguém fala disso.
não adianta: não vai ter vida sem catraca enquanto não tirar as catracas da grande imprensa. enquanto não tirar as catracas do sistema político.
hoje só tem espaço na política quem negocia com empresário. só tem espaço na política quem tem grana. quem aceita acordos bizarros. quem faz vita grossa pra violência policial.
e se a gente não pode entrar na política - a gente mal pode protestar na rua! - a gente pode continuar nas ruas quanto tempo for que não adianta, no máximo vamos adiar o aumento um pouco e trocar as balas de borracha por gás lacrimogêneo.
pra ter passe livre: constituinte já!
por uma política sem catracas: constituinte já!
pelo fim da polícia militar: constituinte já!

sábado, 3 de janeiro de 2015

arrocha

estou no nordeste e tenho conhecido de perto o arrocha. e aí fiz uma poesia sobre ele. mesmo achando ela meio tosca, vai aí. (:

pra fazer um arrocha
precisa sofrer de amor
é por isso que o arrocheiro
é um eterno sofredor

e a força do arrocha
é especial, vou te dizer
porque diz com todas as letras
o homem também pode sofrer

o nordestino arretado
bruto e machão
se ouve o arrocha
chora de emoção

e devagarzinho, com sofrência
com gingado e paciência
o arrocha avança a consciênca

o homem pode chorar, ser frágil
pode desafiar a tradição
vale dançar homem com homem
porque arrocha é paz e amor no coração!

domingo, 28 de dezembro de 2014

2014: solidariedade e reencontro

final do ano é um momento propício para balanços, análises e retrospectivas. olhar o que passou - aproveitando o respiro que o recesso entre o natal e o ano novo permitem - e tentar dar uma reorganizada na vida para o futuro.

olhar para 2014 é ver a vida acelerar. a política acirrar. os processos se intensificarem. as reflexões se aprofundarem. estamos em um novo patamar - para as relações humanas e para a política em nosso país (coisa que, para o espanto dos conservadores, anda junta).

de todas as palavras humanas que conheço da língua brasileira, solidariedade e reencontro são as palavras que sintetizam o ano de dois mil e catorze para mim.

a solidariedade que existe em aprender a dividir as tarefas, em passar a bola para os mais jovens tocarem e ir percebendo que é a juventude que tem a criatividade e a ousadia para fazer as coisas de um jeito melhor mesmo do que a gente. ver a juventude mais jovem (com a mulherada mandando ver!) assumindo a direção dos processos e nem precisar de você (eu, no caso, que sou a juventude menos jovem) é das coisas mais bonitas que tem.

a solidariedade da construção coletiva, que implica na confiança no outro, em aprender a cumprir o papel que for necessário, fazendo a própria parte. de ir vendo que é mesmo melhor errar junto do que acertar sozinha... mas também de que é importante acreditar no que se acredita e fazer o esforço de tentar convencer os outros para sermos ousados, sempre! é se (re)encontrar no coletivo de maneira forte, bonita e potente. é encontrar no coletivo espaço para nosso próprio processo de construção de identidade.

a solidariedade que podemos construir compartilhando nossas experiências. 2014 foi o ano em que voltei a escrever - e inventei esse blog - e que descobri que somos parecidas de maneiras que não imaginava. mas também que somos diferentes e que nos magoamos e nos desentendemos sem perceber e que conversar, trocar... e escrever! podem ajudar a gente a sobreviver melhor.

a solidariedade de entender que o povo é quem precisa tomar as rédeas da política desse país e mergulhar fundo no trabalho de base, de politização e de diálogo. não se colocar no lugar de porta-voz dos outros mas fazer o esforço de criar processos coletivos para decisão. de criar sínteses ousadas. de buscar palavras de ordem que organizem nossa revolta. é o reencontro da política com a vida, da vida com a política. de muita gente que não entendia que pode fazer política querendo participar. gente querendo opinar, querendo tomar partido (mesmo em um momento em que os partidos já não fazem mais tanto sentido).

a solidariedade de não ter medo de se posicionar mesmo sabendo que isso significa se meter em disputas que não são belas, não são puras e em que é necessário defender coisas que não são as coisas nas quais você acredita. é solidariedade entender que a vida do povo é mais importante do que desejos revolucionários e que quem não se posiciona está abrindo mão de disputar os rumos da história.

o reencontro entre aqueles que estavam distantes. que estavam fazendo seu trabalho, seu projeto, sua arte, seus rolês... e que perceberam que quem tá vivo tem que participar da política, e que só se participa da política em coletivo. de todas as coisas que me surpreenderam em 2014, a que mais me tocou foi reencontrar gente que estava distante há muito tempo. e encontrar gente de outros mundos, de outros rolês, que olha a política hoje e quer entender, quer participar, não quer mais ficar a margem.

o ano em que completei 50% da vida como militante por opção (porque militante-acompanhante sou desde a barriga). dos meus 26 anos de idade, os últimos 13 passei "sendo militante", ou seja, dedicando boa parte da vida para a transformação do país e das nossas vidas. é uma escolha de vida, porque sei que pra mim não existe felicidade fora da busca pela felicidade coletiva. desconheço prazer no "me dar bem" individualmente, mas cada vez mais aprofundo o prazer do "é nóis por nóis", da construção coletiva das vidas, das experiências e do futuro. cada vez mais certeza nessa escolha de vida, foi o que 2014 me deu.

e foi nesse ano que fui reencontrando muita gente. gente da família ou amiga da família que (re)encontrei nos espaços da política. gente que estudou comigo, que conheci no bairro, na rua, nos rolês e que (re)encontrei nos espaços da política. gente que nunca se interessou pela política mas que agora quer fazer algo. gente de outras épocas, que foi por caminhos diferentes dos meus para lugares diferentes dos meus, mas que chega no final de 2014 com uma certeza muito próxima da minha: do jeito que tá as coisas não permanecerão por muito tempo e é necessário se articular e se posicionar.

e teve muita gente que (re)encontrei e que não conhecia antes. gente que já ganhou espaço no meu coração. gente com quem dividi casa, trabalho, comida, arte, criação, festa, alegria, cama, bagunça, tarefa... à todas essas pessoas (e saibam sempre que eu sou pior em demonstrar o carinho pessoalmente do que em senti-lo, e isso significa que provavelmente eu gosto de você mais do que você imagina) minha mais profunda gratidão. conhecer e compartilhar a vida com gente tão linda (apesar dos desencontros no meio desses encontros) é fundamental para dar conta de seguir adiante.

2015 ainda não chegou, mas já dá um frio na barriga. se 2014 foi um ano de muito trabalho, de muita luta, de muita manifestação, de muita criatividade para fazer política com ousadia e alegria... 2015 vai ser mais. estabilidade não combina com o que está por vir. o mundo está em ebulição. o brasil está em ebulição. tem gente inventando jeito novo de fazer política, de fazer partido, de fazer democracia. gente misturando o mundo digital e o mundo analógico e criando umas coisas bonitas e outras tantas terríveis. gente fazendo arte com política e sambando na cara do conservadorismo. tem gente ousando colorir e enegrecer a esquerda e a vida. a coisa tá que tá!


tem muita gente que se assusta com isso e tem medo do que está por vir. ora bolas, a direita reacionária está mostrando os dentinhos sim. mas nós também estamos. o povo está se organizando e indo pra ofensiva. as contradições estão aumentando. ninguém se conforma em manter a vida como está. então as coisas vão ter que mudar. e nesses momentos de mudança todas as forças políticas querem colocar o bloco na rua para tentar influenciar os rumos do país que estamos construindo. e eu não tenho dúvidas: as lutas populares constroem cotidianamente um brasil mais justo, mais igual e mais feliz.


se vamos ou não ganhar essa luta, essa batalha e essa guerra, eu não leio futuro e não sei. mas tenho certeza que do trabalho e da luta eu e muita gente por aí não vai fugir... porque não vamos fugir da responsabilidade que é participar ativamente da vida política do país e tentar construir um futuro de mais vida, felicidade e alegria para os que virão. o futuro será de mudança e isso me anima: porque vejo o (re)encontro e a solidariedade produzidos, construídos e distribuídos em 2014 e tenho certeza que tem muita gente dando o sangue, trabalhando pesado e com muita disposição para enfrentar os desafios que virão.

2015, seja bem vindo. pode chegar quente que eu tô fervendo!